O que é o pavimento intertravado
Abdo Hallack
Engenheiro, especialista em Pavimentação da ABCP A história dos pavimentos de peças pré-moldadas se confunde com a história do primeiro pavimento que se construiu com superfície durável, há cerca de 25 séculos: a cobertura do terreno com a colocação de pedras em estado natural, que foi a origem dos pavimentos. Mas, os veículos de tração animal exigiam uma superfície de rolamento mais uniforme. Passou-se, ent ão, a talhar as pedras para conseguir um melhor ajuste entre elas. Pode-se dizer que assim se construiu o primeiro pavimento de peças pré-moldadas. Com a invenção do automóvel, tornou- se pouco econômico e nada prático talhar as grandes quantidades de pedras que o ritmo de pavimentação exigia. Começou-se, pois, a utilizar a argila cozida para a fabricação das pe- ças, com resultados aceitáveis apesar do rápido desgaste. Após a 2a Guerra Mundial, a reconstrução da Europa estimulou a substituição dos blocos de argila por peças de concreto. No Brasil, essa técnica surge nos anos 70, mas sua aplicação muitas vezes não obedeceu aos critérios técnicos mínimos necessários, prejudicando a imagem dos blocos de concreto para a pavimenta ção. Enquanto isso, em diversos outros países, crescia o emprego do pavimento com peças pré-moldadas de concreto, notando-se um grande desenvolvimento nas técnicas de dimensionamento, construção, materiais e também na normalização.
Características funcionais
As vantagens e a simplicidade dos processos de construção e controle destes pavimentos são conhecidas pelo meio técnico: qualidades estéticas, versatilidade do material, facilidade de estocagem e homogeneidade. No entanto, algumas de suas propriedades merecem ser ressaltadas: . permitem a utilização imediata do pavimento; . impedem a transmissão e o aparecimento na superfície do pavimento de eventuais trincas das camadas de base; . têm a capacidade de manter a continuidade do pavimento mesmo quando sujeitos a acomodações do subleito; . permitem fácil reparação quando ocorre assentamento do subleito que comprometa a capacidade estrutural do pavimento; . há facilidade de acesso às instalações de serviços subterrâneas e posterior reparo, sem marcas visíveis; . permitem a reutilização das peças de concreto; . são de fácil execução; . as peças de concreto são de alta qualidade, o que lhes confere durabilidade e resistência à abrasão, indispens áveis aos pavimentos industriais e portuários; . resistem ao ataque de óleos e ao derramamento de combustíveis; . requerem pouca ou nenhuma manuten ção; . não exigem mão-de-obra especializada e nem de equipamentos especiais, o que permite criar várias frentes de trabalho e economia de tempo de construção; . os materiais utilizados na construção chegam à obra já prontos para aplica ção, sem necessidade do emprego de processos térmicos ou químicos; . podem ter simultaneamente grande capacidade estrutural e valor paisagístico; . facilitam a incorporação de sinaliza- ção horizontal pela utilização de pe- ças coloridas; . o controle de qualidade dos materiais empregados (peças de concreto, areias etc.) pode ser feito em seus próprios centros de produção; . propiciam visibilidade superior à das superfícies de asfalto, tanto à luz do dia quanto à luz artificial, independentemente de sua coloração. . as peças de concreto apresentam menor absorção da luz solar, o que evita o desconforto da elevação exagerada da temperatura ambiente como ocorre com os pavimentos de cores escuras. . é o pavimento mais permeável, propiciando microdrenagem das águas pluviais.
Intertravamento
Os pavimentos intertravados têm a seção transversal típica mostrada na Figura 1, abstraídos eventuais abaula- mentos ou caimentos e dispositivos de drenagem. A construção dos pavimentos intertravados é simples: basta assentar os blocos sobre uma camada de areia grossa, compactar a superfície e, em seguida, espalhar areia fina para o preenchimento das juntas. Depois, deve-se compactar as peças novamente até que as juntas estejam totalmente preenchidas com areia. Dessa forma, conseguese o intertravamento das peças, estado desejável para o bom desempenho do pavimento. Para alcançar o travamento adequado, este tipo de pavimento requer sempre algum tipo de contenção lateral, comumente meios-fios. No pavimento, as peças pré-moldadas de concreto comportam-se como uma camada flexível e única devido à propriedade de intertravamento. É o intertravamento que proporciona resist ência a estes pavimentos e os diferem dos demais. Depois de intertravadas, as peças de um pavimento adquirem a capacidade de resistir a movimentos de deslocamento individual, seja ele vertical, horizontal, ou de rotação em rela ção a suas vizinhas. Um bom travamento confere às pe- ças de concreto a capacidade de transmitir as cargas superficiais aplicadas em pequenas áreas, ampliando-as a áreas mais extensas nas camadas de base, mantendo as tensões no subleito dentro de limites admissíveis.
Desempenho com o tempo
A propriedade de distribuição das cargas vai melhorando com a utilização do pavimento, que produz progressivamente um estado de travamento total chamado intertravamento. A camada de rolamento vai adquirindo maior rigidez, e as peças pré-moldadas de concreto deixam de constituir uma mera camada de rolamento para transformar-se numa camada estrutural. O preenchimento das juntas com areia promove diminuição das deflex ões e aumento da capacidade de suporte do revestimento do pavimento. É necessário que exista uma capacidade adequada de suporte da base para o desenvolvimento do intertravamento. No entanto, há indicações de que uma rigidez muito elevada da base possa inibir a ocorrência do fenômeno. Há algumas evidências de que o intertravamento possa ocorrer mais rapidamente em pavimentos cujas juntas entre as peças de concreto são mais estreitas (há no entanto limites a serem observados quanto à esta largura das juntas). Normalmente especifica-se que a largura das juntas entre as peças de concreto esteja compreendida no intervalo de 3mm ± 1mm. Os valores típicos adotados são 2,5 mm - 3 mm.
Fatores para o desempenho
Peças pré-moldadas - A propriedade de distribuição de esforços das pe- ças intertravadas depende essencialmente de seu formato, arranjo e espessura. A resistência à compressão das pe- ças tem, neste aspecto, pouca influência. Não há um consenso entre os pesquisadores quanto à influência do formato das peças, como se verá mais adiante; no entanto, há uma concord ância quanto ao comportamento do pavimento em função da espessura e do arranjo de assentamento das peças.
Arranjo - Tanto a aparência estética como o desempenho dos pavimentos intertravados são afetados significativamente pelo arranjo de assentamento adotado. Há consenso entre pesquisadores quanto à hierarquia dos melhores arranjos. Em condições de tráfego intenso, o arranjo .espinha-de-peixe. é considerado o mais adequado, devido à sua boa resposta frente ao fenô- meno de .escorregamento. analisado em relação ao travamento horizontal. A Figura 2 mostra os tipos de arranjos mais utilizados.
Formato - O formato das peças de concreto também influem no desempenho do pavimento. Alguns formatos típicos são mostradas na Tabela 1. O processo de seleção de um formato para as peças pode ser problemático e controverso. A seleção do tipo ótimo de peça deve ser guiada pelas seguintes considerações: . a melhor capacidade de distribuição de tensões; . facilidade de assentamento.
Espessura - Recomenda-se que as peças devam ter espessuras mínimas de 6 cm, para pavimentos com tráfego leve, 8 cm para aqueles submetidos ao tráfego de veículos comerciais e 10 cm para casos especiais. Resistência Mecânica - Estudos mostram que a resistência à compress ão uniaxial das peças, dentro de uma faixa de 35 MPa a 55 MPa, não tem influência no comportamento estrutural dos pavimentos sob carga de veículos comerciais de linha. Outros fatores, referentes à durabilidade são os que influem na fixação de resistências mí- nimas. Na Europa e nos EUA, as resistências exigidas variam de 50 MPa a 60 MPa, valores que estão associados diretamente aos fenômenos de congelamentodescongelamento e à ação de sais descongelantes. Na Austrália e África do Sul, que têm climas mais amenos, aceitam-se resistências menores. No Brasil, a norma NBR 9781 (Peças de Concreto para Pavimentação - Especificação) estipula que a resistência característica estimada à compress ão das peças, calculada de acordo com a NBR 9780 (Peças de Concreto para Pavimentação . Determinação da Resist ência à Compressão . Método de ensaio), deve ser 35 MPa para as solicita ções de veículos comerciais de linha ou 50 MPa quando houver trá- fego de veículos especiais ou solicita- ções capazes de produzir acentuados efeitos de abrasão. Ao considerar que tanto Austrália como África do Sul são alguns dos paí- ses com maior experiência neste tipo de pavimento e que têm afinidade clim ática com o Brasil, é lógico acolher, neste aspecto, recomendações semelhantes às destes países. As resistências características à compressão exigidas na Austrália são de 35 MPa para tráfego leve e 45 MPa para os demais. Na África do Sul, estes valores são, respectivamente, iguais a 25 MPa e 35 MPa.
Camada de areia - A camada de areia serve de base para o assentamento das peças pré-moldadas de concreto. Ela deve proporcionar uma superfí- cie regular onde se possa assentar as peças e acomodar suas tolerâncias dimensionais de fabricação e aquelas relativas à regularidade da superfície de rolamento do pavimento. A camada de areia funciona também como uma barreira à propagação de eventuais fissuras da base e como fonte de areia para preencher as partes mais baixas das juntas. Ensaios e análises feitos no Japão mostram que o aumento da espessura da camada de areia de assentamento não contribui para o efeito de dispers ão das cargas atuantes. Uma espessura excessiva torna-se uma fonte potencial de deficiências e assentamentos. Recomenda- se que a camada de areia tenha de 3 cm a 4 cm de espessura após a compactação das peças.